domingo, 13 de julho de 2008

Minusculo Infinito


Bacon - "Study From the Human Body"

A colher onde língua nenhuma
o guardanapo onde a boca talvez
as mãos onde uma pele qualquer
o olhar onde a cegueira é azul
o chão
a melhor cama para o fracasso
a voz de lamina
que carrega o nosso nome
gostaria de saber a fundura desses golpes
o aspecto urgente dessa ferida solar
nós esperamos por esse projecto
que marca a carne
nós esperamos pelo nosso verdadeiro baptismo
para sermos qualquer coisa semelhante a nós
qualquer coisa contra a morte
um passo
um cotovelo
uma madeixa loira
um mergulho na noite branca
um desperdício do pouco que nos resta
no meio do nada
tudo
no caminho para coisa nenhuma
tu
um movimento de penetração na terra
raiz para nos mantermos de pé
um sentimento onde me possas conhecer absolutamente
florires-me
ligares-me
destruíres-me
parires-me
ou o fim do jogo
fim do precisares de mim
fim do precisar de mim
fim do numero de porta
fim da casa
fim deste lugar
ou guitarra nos dedos das mulheres adormecidas
pelo amor longínquo
o amor correcto e certeiro
o amor lâmpada
o amor no coração do poema
sempre o amor à tarde
tarde demais...

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Beautiful Present


Robert Ketchum

Uma vírgula pode fazer todo o sentido
neste texto demasiado inútil
um sopro
onde persiste o teu silencio em cada osso
aves impossíveis à transparência do sonho
ondulações subtis
recados de espuma
desconcertante sinfonia
semeada a meus pés
mastros matinais de navios fantasmas
velas de pendurar as horas da tarde
um risco de luz
o teu verdadeiro nome
beijo de água
tu danças à minha volta
eu mergulho em ti
eu sou profundamente em ti
e estou no sitio certo para deixar de respirar.

domingo, 6 de julho de 2008

Orquestra Utópica



Mark Tobey

Estar descalço na noite
tomá-la pelo braço
trabalhá-la
numa visão para o sublime do sonho
por mais que desvie os olhos
a visão acrescenta-se ao iluminar dos objectos
dá-lhes forma e nomes e boca para o seu dizer
o encantamento pleno do sensível
e eu estou entre eles
no meio deles
num espaço/industria de absoluto rigor
estou na fome vertiginosa do pensar
sou uma cabeça poema
um coração
uma laranja com os seus gomos paradoxais
uma orquestra utópica
que interpreta com os olhos da liberdade os seus poemas
instrumentos movimentados pela mão que escolhe o sentido
uma cascata de águas límpidas
um caminho para a palavra
de nós a claridade de um movimento digno
uma paixão arlequim
um trompe d`oeil
um homem desmedido dentro do significar-se
na agudeza do dom

volto sempre a ti
volto da luz que sobrou dos dias
ao que resta da devastação
e a devastação não é não estares
a devastação é não existires.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Unicamente...


Andy Waite - "The Weight of Wings"


As palavras pregadas aos pulsos do poeta
doem na paisagem branca onde se espreguiça o poema
um equilíbrio instável
brilha na ferocidade insegura do deslumbramento
esconde-se na agudeza do sonho
bate contra as pedras como os farrapos dos naufragados
é um torso de mármore
um corpo sublime para venerar
um ritmo dormente onde cresce a melancolia
pelos braços e pernas do poeta
o poema cresce como semente da carne
aranha louca
o poema indestrutivel
uma interferência para acordar a noite
uma porta com flores
uma praça imaterial onde te encontro inteiramente
uma página púrpura
uma máquina de pensar
porque tu és uma gota livre
sinfónica
polifónica
nuvem nos olhos de cristal dos peixes
asas de mar
asas imediatas no amadurecimento da luz
é manhã
é argila futura para as estátuas
onde sobressaem pequenas estrelas
com o céu das suas luzes
e não sei como dizer esse brilho
das coisas que me cercam e libertam
todos os rios que me transportam
no vagar do seu caminho
eu sou a margem da água por purificar
uma criança espantada pela noite
que escreve unicamente para ti.