terça-feira, 30 de setembro de 2008

Questões Pertinentes




Pergunto à porta fechada
Pergunto à madrugada
Pergunto ao sonho limpo
Pergunto aquilo que sinto
Pergunto ao bosque
E á língua que cospe
Pergunto à esperança
Porque é que não dança
Pergunto ao momento
Pergunto ao relento
Pergunto ás tuas pernas
Porque seguem esse caminho
Pergunto à verde folhagem
Onde se esconde a tua imagem
Pergunto à delicada baleia
E à aranha sem teia
Pergunto ao animal furtivo
E ao homem pensativo
Pergunto ao olhar azul
E ás aves do sul
Pergunto ao sem abrigo
Expulso cem mil vezes
Pergunto ao dono do paraíso
e aos vendedores de maçãs
Pergunto à santíssima trindade
onde está a caridade
Pergunto ao surrealistas
Pergunto aos trapezistas
Pergunto aos panfletários
Pergunto aos operários
Pergunto aos anarquistas
Pergunto aos perfumistas
Pergunto aos burros
especialmente ao de Bresson
Pergunto ás coisas vivas
Pergunto ás rugas lisas
Pergunto aos anjos loucos
Porque somos tão poucos
Pergunto aos corretores da bolsa
Pergunto aos superiores hierárquicos
Pergunto a minha mãe
á noite entre lágrimas
porquê?
Pergunto à cega visão que me acompanha
e a essa terra tão estranha
Pergunto ao turbilhão do sonho
e ao alimento que colho
Ao mar que esconde esta raiz
E à aberta cicatriz
Pergunto ao teu sorriso
Pergunto ao meu siso
Pergunto ao escorpião cósmico
Pergunto ao cigano bósnio
Pergunto ao louco
O que significa pouco
Pergunto ao coração nu
Onde estás tu
Pergunto ao cliente
Pergunto ao ausente
Pergunto aos desaparecidos
Pergunto aos maridos
Pergunto à mediocridade
Pergunto á solidariedade
Pergunto ao negro da noite
Porque se veste de branco
Pergunto ao meu corpo
Pergunto à máquina de barbear
Porque não sabe cantar
Pergunto à cidade
Pergunto à humanidade
Pergunto ao cruzamento
Pergunto ao desalento
Pergunto ao tribunal
se posso comemorar o Natal
Pergunto ao ódio
qual o seu próximo episódio
Pergunto ao sarcasmo
Pergunto ao orgasmo
Pergunto ao pateta
Pergunto ao poeta
Pergunto ao cão
Pergunto à mão
Pergunto à plasticina
Pergunto à cocaína
Pergunto ao diabo
Pergunto ao jurado
Pergunto ao canalha
Pergunto à navalha
Pergunto ao surdo
Pergunto ao uivo
Pergunto ao lobo
Pergunto ao bobo
Pergunto à boca
Pergunto à louca
Pergunto ao amor
Pergunto ao terror
Pergunto ao sono
Pergunto ao dono
Pergunto ao camaleão
Pergunto ao coração
Pergunto ao impossível
Pergunto ao risível
Pergunto ao cemitério
Pergunto ao mistério
Pergunto à ternura
Pergunto à loucura
Pergunto ao vinho tinto
porque ás vezes minto
Pergunto ao mundo
Pergunto ao fundo
Pergunto aos teus braços
Pergunto aos meus passos
Pergunto à beleza
Pergunto à tristeza
Pergunto à melancolia
Pergunto à poesia
Pergunto à ferida
Pergunto à vida
Pergunto ao beijo
Pergunto ao desejo
Pergunto à casa assombrada
Pergunto à infância roubada
Pergunto à lei
não sei…?
Pergunto à serpente
e a muito boa gente
Pergunto-te a ti
Pergunto por ti
porque não morri…

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Estrela do Mar


Klimt - "The Kiss"

Não faz sentido o meu coração
ao que parece fugiu deste corpo
estranho mas verdadeiro
verdadeiro mas estranho
estranho mas verdadeiro
eu posso tropeçar nas tuas veias
antes de me queimar
espero que não te importes
estrela do mar.

Ela



Ela despiu-se e flutuou ao vento
Fez-me ver as serpentes de que é feito o meu corpo
uma paisagem bruta como o amanhecer do mundo

domingo, 14 de setembro de 2008

As coisas que não Cabem em Palavra Nenhuma


Antony Gormley


As coisas que não cabem em palavra nenhuma
dormem no lado sombrio da colina
onde repousa a mais bela flor
com a sua haste de treva imprescindivel
e olhos maiores do que a salvação
a casa aonde não regressaremos
destaca-se nas copas das mais altas árvores
nos bicos translúcidos dos pássaros celestes
ou seja nos corpos naufragados um no outro
um para dentro do outro
vazados na luz desmesurada que trespassa as bocas
um que mostra o fora do outro
por dentro das nuvens lençóis
sobre as almofadas onde as cabeças sonham
o arder dos mesmos campos
vibrantes tempestades para enfrentar o medo de acordar
porque acordar não é realmente abrir os olhos
porque os olhos só fechados percorrem a viagem da grande significação
estamos tão unidos
neste ecrã de flores aquáticas
nenúfares de colocar o coração
que poderia dizer meu amor
mas tu não me pertences
e eu sou de ti uma breve cintilação
mas eu sei
porque as horas se transformaram em dias
e os dias em anos
eu sei
porque o fim não acabará com a nossa história.

domingo, 7 de setembro de 2008

Quando te Lembras de Mim



Edward weston - "Clouds"

Senhora fantasma
Senhora de notas musicais divididas pelo vento
que translúcido passa na pele dos crentes
Senhora fantasma dentro dos meus livros
nas folhas diárias escritas pelos dedos desamparados
Senhora fantasma estou ao telefone
e todas as extensões estão ocupadas
cizem-me que serei atendido o mais breve possível
mas hoje é sexta á tarde
é assim desde que nasci
pleno de silêncio frágil e perturbado
das palavras acordadas pelos dias despovoados
dilatados por penumbras naufragadas
feridas antigas e futuras
pássaros pressentidos pelo fim do Inverno
queimados pela matéria solar de suas asas
senhora branca livre
aqui estou sentado com o meu casaco de ilusões
e o velho lápis à trela como um cão
não te espero nem te obedeço
sou apenas um peixe
na madrugada das águas destruídas pelo entardecer
um corpo onda espalhado na sonolência do areal
uma gota de chuva que trazes no teu olhar de açúcar
quando te lembras de mim.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Fantasma


Giovanni Baldini


Esticar a pele ao máximo até que saia o fantasma que te procura
por sobre a luminosa ausência do teu florir
a noite assinala com seu inquietante rosto branco
A vida das cidades onde não passas
eu voo sobre os anos perdidos
marcados no corpo devastado pelo incêndio da busca
não sei como escrever as ondas melancólicas no seu azul continuado
azul de azul
azul para o azul dos olhos
terra mar
golpes de vento para melhor respirar
como se a casa quisesse subir aos mais altos astros
onde tu concerteza me esperas
porque eu sou o teu filho habitado de escuros sentidos
de escuros dedos e mel de Primavera
e um fio de sonho tecido pela aranha do coração.