
O poema move-se na obscuridade
Do seu escuro pensar
no jardim de negras flores onde o poeta sangra
Perde-se o nome na boca errada
o cansaço e a insónia crescem dos olhos metafóricos
cães fantasmas devoram a paixão
onde a vida ganha violentas formas
uma estranha águia rasga com o seu bico a têmpora febril
do homem que escreve
o seu abismo
a sua árvore
a sua melancolia
cravada na limpidez dos dedos da terra devastada
pelas avenidas desarrumadas onde deambulo
escurecido de beleza rudimentar
fixo a corda ao cais maternal
onde recordo a ternura completa
das roseiras de seda
a infância arrasada pelo crescimento do corpo
alimento o peixe estelar
trabalho para ti desde sempre
mesmo que não o entendas
mesmo que não o vejas
mesmo que não o sintas
espero em silencio
como o monge de Friedrich
esqueço as cores que me habitavam
entrego-me ao minucioso trabalho
das mãos por dentro do corpo
à colheita da luz que escorre das madrugadas
dos campos ferozes onde habitamos
a Casa de solar arquitectura
eu imagino com delicadeza essa claridade
as sementes preciosas do amor por germinar
veneno espalhado pelo sonho por sonhar
um alicerce suspenso na noite
que me toca o rosto iluminando-o de exuberante treva.