terça-feira, 23 de outubro de 2007


Martin Ridley


Estas linhas
cozidas no desespero
da onda que leva à praia o rosto do homem afogado
de negro vestido com a saudade nas algibeiras
o tempo não vivido que passou
o numero da lotaria que lhe calhou
bagos de romã, a vida
enforca o sorriso do sonho na corda do amanhecer
a esperança nestes lençóis de linho amorrotados de luz
os teus braços onde acolhes a ternura
destes promontórios onde o poema abraça o mar
águas onde todos os erros são perdoados
este sal coruja da noite
asas silentes
estas mãos que escrevem para ti
os desastres onde mergulhamos a flor que decide o próximo passo
a pétala que cai sem força para permanecer
agora ascendo no silêncio deste quarto onde me perdi
sou uma pedra impossível no cabo do mundo
permaneço imóvel
espero o V de voo
das grandes aves migratórias que atravessam esta paisagem
e não tenho nome para dizer
da beleza do meu coração
quando dança nas tuas mãos.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Notável e profundo




O sal que das tuas asas se desprende denuncia o mar onde adormece a chuva que obliqua fere as teclas do piano minimal
berço de corpos desabitados de amor
descansam desertos de energia
os corações estremecem metodicamente ao atravessar do sangue
a presa e o caçador abraçam-se na derradeira paixão que antecede a morte
as mãos dadas ao suor que destrói para sempre
as ervas daninhas do passado na transfiguração da luz
um presente
uma fuga dolorosa
uma crueldade mimética
absurda oração das mãos que se não dão
um piano neste quarto gradeado
um tumulto nostálgico como um virar de página
o tempo que escorre e afoga o naufrago gota a gota.

Levantou-se
relembrou todas as letras
que dos poemas sabia existirem
e a golpes de azul
desapareceu por entre alquimias
de fumos de cigarros

Notável e Profundo
são as únicas palavras inscritas na sua lápide.


sábado, 13 de outubro de 2007



"Nude in Silence" - Jacqui Faye Michel

Não tão silencioso
que não gostasses que te ouvissem
não tão inteiro
que não preferisses que te partissem
não tão ferido
que não quisesses que te salvassem
não tão escuro
que os teus olhos não cegassem
não tão intenso
que não temesses pela tua segurança
não tão ridículo
que não te permitissem somente a verdade
não tão puro
que não pudesses do nojo extrair a beleza
não tão cortante
que pudessem as facas beijar a tua língua
e por fim soubesses administrar o teu silêncio.

domingo, 7 de outubro de 2007

Sombriamente iluminados


Dali - a persistencia da Memória


Sombriamente iluminados
estilhaçados de luz
com o corpo por acabar
cheios de fantasmas
evitávamos o ar das cidades contaminadas
e buscávamos o nosso suor
e a nossa sede no silencio dos madrigais
onde deambulávamos cheios de letras indizíveis
e dávamos as mãos que não eram nossas
àqueles a quem pertencíamos

Sombriamente iluminados
estilhaçados de luz
com o corpo por acabar
caminhávamos nos telhados surrealistas e
levantávamos voo
relembrávamos estórias
pássaros que passam
que não precisam morrer nem saber mapas
o nosso voo metodicamente
sulcava cada gesto
cada abraço
cada milagre que entre nós
foi o de lágrimas não choradas
porque éramos felizes

Sombriamente iluminados
estilhaçados de luz
com o corpo por acabar
crianças fomos
e do mar fizemos
unicamente a paisagem dos nossos olhos
seara que nenhum desastre podia arrancar
eu sabia as pequenas curvas de cada duna
o teu corpo de água que fluía para o meu centro
eu comia desse alimento e crescia
olhava o sonho antes da tempestade
queimávamos o tempo com pequenas faúlhas
fechávamos os olhos e adormecíamos.
sombriamente iluminados
estilhaçados de luz
com o corpo por acabar.